Eu imagino nós dois daqui há 30, 40, 50 anos. Visualizo a cena de nós
dois sentados na varanda da nossa casa. Estaríamos olhando os nossos netos
correndo pelo quintal. Pegarei na sua mão, entrelaçarei os nossos dedos. Nossas
mãos já vão estar enrugadinhas, os cabelos brancos já vão ter surgido. E os
nossos filhos estariam na nossa casa em um dia de domingo pra visitar a gente.
Imaginou? Porta-retratos estariam espalhados por toda a casa. Cada foto iria
trazer a lembrança de um dia inesquecível. Teria a foto de quando nos
encontramos. E mais fotos de quando éramos jovens, fazendo caretas, um mordendo
o outro. Te dava apelidos, como ‘‘idiota, besta, irritante’’, mas no final eu
sempre dizia o quanto eu te amava. Em outra foto estaria o dia do nosso
casamento. Teria as fotos da festa, com toda a nossa família, e os nossos
amigos reunidos em meio a uma bagunça. Nessas fotos, iria vim a lembrança do
nosso primeiro dia casados, morando juntos. Nós dois iríamos pintar a casa,
você escolheria uma cor que não me agradaria, mas mesmo assim deixaria você
pintar. Sujaria de tinta a pontinha do seu nariz, depois o seu cabelo, o seu
rosto e sua roupa. E você também iria me sujar. Correríamos pela casa toda se
esquecendo do principal objetivo, que era pintar a nossa casa. Ficaríamos
cansados, e como não havia todos os móveis ainda, deitaríamos no chão mesmo. Te
beijaria, e diria que a melhor coisa da minha vida era você ter aparecido.
Lembraríamos de quando éramos jovens e não sabíamos muita coisa da vida ainda. Éramos
dois bobos, fazendo coisas de criança. Não costumávamos fazer comida, pedíamos
comida japonesa quase todos os dias, e pizza toda sexta-feira. Dormíamos tarde,
no sofá mesmo. Acordávamos mais tarde ainda, sem ficar se importando com
compromissos. Fazíamos o que queríamos. Comeríamos brigadeiro na panela,
fazíamos miojo, te sujava de sorvete e você ria. Às vezes ficávamos deitados na
nossa cama, e pensávamos em ter um filho. Olharia para você depois de ver o
próximo porta-retrato, que estava com o nosso primeiro filho. Dizia: Você se
lembra desse dia? Iríamos recordar quando ficávamos noites em claro fazendo o
nosso bebê dormir. Tinhas dias em que dormíamos no quarto do nosso filho,
porque tínhamos passado a noite toda ali. Acabamos nos tornando três crianças.
Pulávamos na cama, no sofá, assistimos desenhos, jogávamos pipoca um no outro.
Lembraríamos da primeira festa do nosso filho, do primeiro dia na escola, e de
ver ele crescendo cada dia mais. Olharíamos pra outro porta-retrato, veríamos o
dia em que tivemos mais filhos, e que os nossos filhos tiveram os filhos deles.
Perguntaria pra você: Lembra desse dia? Era o Natal em que passamos todos
juntos, uma família grande em volta da mesa. Depois os nossos netos abrindo os
presentes, e em cada um deles, abriam um sorriso. Meus olhos iriam brilhar ao
lembrar de tudo isso. Iria ser a vida que tanto sonhamos juntos. E dizia pra
você: Eu sempre imaginei isso, por que eu sempre amei você. E sempre vou amar.